sexta-feira, 29 de maio de 2009

Onde anda?

Dizia o Chullage no seu último concerto no Porto que hoje se ouvem beats cada vez mais fortes e mais espectaculares, o que deixa cada vez menos espaço (em termos de tempo e também em termos de audibilidade) para se ouvir o mc. Acrescentou ele que isto não era inocente: "é porque hoje são cada vez menos os rappers com alguma coisa para dizer". Foi qualquer coisa como isto.

E é um facto.
Lançam-se hoje discos onde os beats são cada vez mais, como se diz na gíria, xpto. E, pior, na grande maioria dos casos, o xpto não é bom. É mau, foleiro.
Eu não sou nenhum purista, se for essa a acusação. Longe disso! E tenho raiva a quem é! Para ser franco, nem sei muito o que isso é... Aprecio muitíssimos novos rappers e produtores. Tanto perco a cabeça com uma cena de um Premier ou de um Pete Rock como de um Alchemist, de um Vadim ou de um J-Live. E isto esqueçendo tantos e tantos outros como Madlib, J-Dilla, Tonk, 9th Wonder e por aí fora...
Agora que é indesmentível que o espaço para o mc começa a ficar atrofiado, isso é. Se por culpa dos produtores pelos beats demasiado cheios que fazem ou dos rappers por terem pouco para dizer (ou se têm, por ser vulgar e liricamente pouco criativo), isso não sei ao certo.
O que eu sei é que o Premier fazia beats largos, abertos, escancarados, para o Guru (no caso dos Gangstarr) ou qualquer um rimar à vontade. O que eu sei é que os A Tribe Called Quest só precisavam de um simples boom-bap funky para fazer autêntica poesia:

The beat is over and so is the night
The sun is risen and the shine is bright
We all say peace and go our separate ways
Youth is fading as we gain our days
Expedition for the song is simp'
The hours creep, excuse me, I mean limp
As we go you hear a gasp of laugh
As we start up our rhythmic path


"After Hours", A Tribe Called Quest

Onde anda a poesia no rap?

A poesia, sim. E não meia dúzia de palavras, mormente de frontin', atabalhoadamente encaixadas nuns desgostosos versos.

9 comentários:

  1. Ainda há uns dias li uma entrevista do Valete em que ele dizia qualquer coisa como "os mc's têm cada vez melhor técnica mas sente-se a falta de grandes liricistas".

    É absolutamente verdade. A par do Sam, tal como disseste, poucos há. Nem o próprio Valete anda a dar uso aos seus dotes de liricista.

    Pode falar-se ainda do Stray e do Nerve (o Conversas de Café e o ENPTO têm poesia como poucos álbuns portugueses) ou até do Boss AC. O homem sabe escrever, não me lixem. Consegue ser simples e profundo ao mesmo tempo, o novo álbum tem algumas letras que provam isso mesmo e que o colocam num outro patamar.

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  2. De novo o meu obrigado pelo comentário!

    Estou 100% de acordo contigo quanto ao Boss. Ontem e hoje continua a ter algumas músicas onde a letra é, de facto, poesia.
    O NBC também. O Maze também.
    Confesso que não estou a par desses albuns... mas vou checkar!

    Mas que a palavra "poesia" anda a ser cruelmente violada, acho que é um facto. E é triste....

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  3. Quer-me parecer que o Maze, depois de toda aquela fase intelectual/profunda/complexa que o marcou, tentou simplificar a escrita. Mas de há uns anos para cá que o conteúdo/léxico das letras dele está a cair na banalidade.

    Tens que ficar a par, no doubt ;)

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  4. Bem, percebo o que queres dizer nesse apontamento ao Maze. Mas tirando um ou outro caso, discordo. Po vários motivos: 1) o que é rap "intelectual/profundo/complexo"? é rap original, inteligente, curioso, crítico, reflectido?; 2) o que quer que isso seja, é mau fazê-lo? 3) tirando um ou outro caso em que o Mae tenha de facto repetido algumas ideias em versos, tenho do Maze a ideia de um rapper que... pensa. Isso só por si já é meio caminho andado para fazer boa poesia e bom rap.

    Um abraço!

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  5. Sim, é rap original, inteligente (...), e claro que isso não é mau. Gostava muito da escrita do Maze, sem excepções, até ao primeiro álbum dos DLM (inclusivé). Desde aí que perdeu um bocado o encanto, o conteúdo continua intacto mas a forma é básica e não simples. E sinto exactamente o mesmo em relação ao Mundo...

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  6. É muito pertinente isso. Essa entrevista do Valete está no ZonaHHTuga.

    Do Stray conheço muito pouco, mas o Nerve fez um belo álbum. Acho que quem também está em excelente forma é o NBC. Conseguiu um majestoso álbum com "Maturidade".

    Maze é igualmente dos meus preferidos.

    Abraços.

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  7. um gajo que tem um blog e tem a coragem de dizer que boss ac e nbc fazem poesia isto diz logo da qualidade do blog.

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  8. Boas!!
    Na minha opiniao, o poeta nao tem de ser complexo, por exemplo o Antonio Aleixo tinha a quarta classe e a sua poesia, em termos de escrita e do mais simples que existe e ao mesmo tempo do mais rico em conteudo, o que nao o faz menos poeta que o Fernando Pessoa e o Bocage, por exemplo...
    Eu penso que ate temos mc´s com bastante conteudo uns mais Antonio Aleixo e outros mais Pssoa...
    Na minha opiniao o Maze e sem duvida um dos grandes valores, o Ace quando quer escreve verdadeiras obras de arte, o Sam The Kid , Mundo, Chullage, Supremo G, Deau, Pah o que nao falta ´´e pessoal a escrever bem..

    ;)
    ALMA..

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  9. Viva!

    Gostei muitodo teu comentário. E concordo com ele! Falaste do Aleixo. Eu acrescento o Neruda, que é só um dos maiores poetas de sempre, e que utilizava um vocabulário simples, fácil. E lindíssimo! Se calhar para poder ser lido po todos, ele que se afirmava como o poeta do povo...

    Quando falo em poesia, falo em poesia nas suas múltiplas expressõs. Mas poesia. E não palavras desconexas, ideias vazias e repetidas, tudo metido a mesma panela e servido sem tempero. É difícil fazer poesia? Claro que é...
    O que me custa é ouvir a palavra "poesia" ser usurpada e mal-tratada. Poesia é uma coisa tão especial...

    Mas concordo novamente com a idea de mcs "mais A. Aleixo e outros mais Pessoa".

    Agradecido pela visita! :)

    Um abraço

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