quinta-feira, 31 de julho de 2008

Natural Black Colour


NBC é um artista português que desde a década de 90 tem agitado o círculo hip hop da margem sul. Juntamente com o irmão (o rapper Black Mastah) formou os Filhos de 1 Deus Menor, que fez furor no mítico Oeiras Rap 94, marco histórico na afirmação da cultura hip hop no nosso país.
Desde então, NBC tem entrado em colectâneas com muitos rappers, lancou um disco de originais (Afrodisiaco, 2003), deu muitos concertos, participou no disco de homenagem aos GNR (Bem-vindo ao Passado) e entrou no telefilme Fados de Carlos Saura.
Foi a meu ver uma carreira de altos e baixos que agora, merecidamente, vê um momento de afirmação claro: Maturidade (2008) é um album muito interessante e que foi alvo de uma cobertura mediática de assinalar. Trata-se de uma reunião musical eclética, fresca e onde NBC nos supreende com alguns dotes que não conhecíamos. Na onda do hip hop americano da década de 80 e 90 - e que agora tem vindo a ser renovado por nomes como Kero One, Crown City Rockers, Raashan Ahmad, DJ Tonk, Jazz Liberatorz, Q-Tip ou Y Society só para citar alguns - NBC, com um background de produção a cargo de New Max (Expensive Soul), DJ Link, Bomberjack e Sam the Kid, promove uma alegre fusão de hip hop, soul e funk. Evidente que isto não agrada a gregos e troianos. Muita gente hiphopaholic que conheço já se manifestou desagradada com o suposto desvio de NBC às suas raízes. Evidente também que isto só pode ser pensado quando os nossos horizontes intelectuais estão carinhosamente fechados. Só assim se explica o menosprezo que se pode ter por um artista que procurar inovar, diversificar, supreender. O que NBC faz com um sucesso assinalável. Porque com qualidade.
Maturidade começa com Partida: é um "bem-vindo a bordo" que nos põe alerta para o que vamos ter pela frente. É também o primeiro momento em que NBC debita liricismo com igual rapidez e inteligência e onde faz algumas alusões a factos passados, "Pela Arte foi o começo". Pela Arte é um dos melhores beats do já mencionado Afrodisíaco e das melhores coisas que podemos escutar no almanaque do hip hop português.
Encontramos a seguir Segunda Pele, primeiro single do album e que tem tocado numerosas vezes na Antena 3. A letra é uma declaração de amor à Música, uma declaração transversal às suas vivências mais antigas e com referência a grandes nomes do Hip Hop americano (o produtor Solar e Common em "No comboio, os amigos, esses, só falam em bola, enquanto eu vou ouvindo Can I borrow a dollar?"). Mas as menções não se ficam por aí: ouvimos também os nomes de Bob Marley ou Marvin Gaye.
Imagina (parte 1) é das minhas faixas preferidas. O beat é muito bom e a electrónica que o acompanha torna-o em algo enigmático, esotérico: "Fizeste tudo errado... e agora quem vai pagar?". Aqui é clara a crítica político-social, embora NBC não se deixe prender a clichés ou lugares comuns. Pelo contrário, o seu discurso preza por uma poesia que oscila entre o realismo e a fantasia, captando astutamente certas imagens que nos ficam na cabeça. Na parte final, NBC entrega-se a um meloso e melancólico solo onde a palavra Revolução assume contornos doces, longe das armas ou do sangue.
E chegamos a NBCioso, outras das faixas mais bem conseguidas do album. Um instrumental orgânico leva-nos para sons mais funky, puxando o pé de dança. As trompetes tornam-se aqui o pêndulo sob o qual NBC nos delicia.
A música que dá nome ao album, é outra agradável surpresa. Continua a instrumentalização longe das caixas de samples e NBC a entrecortar o rap com solos deliciosos. O artista divaga um pouco sobre o homem, as suas responsabilidades, compromissos, ambições, decisões. "Se és homem... prova que és capaz e a paz entra no teu ser...".
Saltamos agora para Homem, outro momento alto do disco. Aqui a tonalidade espraia-se sem medos pelo jazz e soul. Bateria pausada, baixo provocante e guitarradas agudas aqui e ali... Estamos assim até aos 3.30 min quando NBC como que se senta e passa pura e simplesmente a recitar poesia:
"Os homens nascem todos iguais mas todos diferentes
Com valores culturais que pesam nas mentes de homens descrentes
Homem...
Um conceito ou uma definição globalizante?
Homem sem acção é rato; homem sem valores é cão sem dono.
É preciso personificar, atribuir valores
porque o homem não conhece o seu lugar.
Animais em vias de extinção, mantidos em cativeiro...
E ainda somos 6 biliões! Nunca vai parar...
Mentes de rumo incerto procuram a sua casa no ar, na lua
porque a Terra, na Terra, é a salvação... agora".

Voltamos ao rap mais clássico com Heróis (1974). Ao contrário do que poderia parecer à primeira vista, a letra nem é tanto apontada à Revolução dos Cravos propriamente dita, mas antes à juventude, à sua educação e empenho como meio de intervir no futuro. No final ainda ouvimos algumas palavras de carinho para a Família enquanto valor.
O soul regressa por mão de Voice Mail, outro registo um tanto glicodoce onde é de destacar a participação de Dino, um dos talentos emergente da cena rnb portuguesa.
A toada mantém-se em Dá-me uma mão (notas) onde surge Lince a acompanhar. Outro grande som... começo a repetir-me e por isso mais vale mesmo ouvir. A partir do minuto 2, Lince e NBC comecam a rappar em grande estilo, "Liga o telefone, dá-me um halla, a gente fala, fazemos um jantar moçambicano na tua sala", voltando depois ao registo pausado.
MC Frustrado era uma faixa desnecessária neste belo disco, a meu vêr. Isto poderá parecer leviano da minha parte, claro. Mas digo-o porque depois de escutarmos coisas tão boas, é despropositado levarmos com aquelas vexata quaestio da comunidade hip hop: o mc verdadeiro, real, puro/o mc falso, fake. Embora no discurso NBC paute sempre pela forma elaborada e inteligente das palavras escolhidas. Mas enfim, era dispensável...
Mas tudo está bem quando acaba bem! E assim o disco termina com Voz. Outro som onde a electrónica cruza os samples de forma harmoniosa (aposto que a produção aqui é do Sam!) e a voz de NBC vem ao de cima mais uma vez.

Maturidade é uma das agradáveis supresas musicais deste ano. Dá-nos a conhecer um NBC versátil e erudito que faz da sua muito própria poesia o seu ponto forte. Evidente que ter por trás produtors como New Max, Bomberjack ou Sam the Kid dá uma ajudinha. Fundamentalmente, é um disco muito aprazível para apreciadores de soul, funk e hip hop, deixando no ar a expectativa do que NBC poderá fazer (ainda mais) no futuro.
Que a maturidade de NBC seja como a sua música: que não estanque!

NBC - Homem (ao vivo na FNAC Colombo)



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